Toda
vez que se precisa de atendimento médico – hospitalar de emergência, a noite,
na rede pública, é quase uma regra ser mal atendido, esperar horas em uma fila,
encontrar um profissional mal humorado, com sono, esgotado das muitas horas de
plantão. Quando se é atendido, geralmente falta o medicamento. Muitas vezes,
saímos da unidade de saúde mais doentes do que quando chegamos.
Na minha cidade, assim como
talvez na sua, constantemente ouvimos relatos como esse. A precariedade dos
serviços de saúde, o descaso dos gestores, a ingerência de quem está na linha
de frente. Profissionais mal remunerados, sem condições de trabalho, sem
material adequado, escalas de serviço apertadas, pintam um quadro sombrio. É
quase proibido adoecer.
Há cerca de dois anos, meu filho
mais velho começou a sentir dores de cabeça, que iam e vinham, apareciam e
desapareciam sem uma causa aparente. Procuramos o serviço médico da minha
cidade. A peregrinação começou (e ainda é assim hoje) as quatro da manhã,
quando fui pegar uma ficha. Espera, e mais espera, as fichas foram distribuídas
as 07:00 da manhã. De posse da ficha, voltei para casa, peguei meu filho, e
voltamos. Mais uma fila, mais uma espera, e quando finalmente fomos atendidos,
o médico (notem bem, não era atendimento de urgência) que nos atendeu, um jovem
rapaz de menos de trinta anos, perguntou
os dados, anotou numa ficha, e disse: Vou encaminhar seu filho a um
especialista. Nem uma pergunta mais detalhada, nem uma auscultação, nem uma
investigação. Nada. De cara fechada, preencheu uma requisição, passou um
analgésico qualquer e fomos dispensados. De posse da requisição, fomos até a
secretaria de saúde, solicitar a marcação da consulta com o especialista. Para
encurtar o assunto, nesse mês que passou completaram dois anos que esse
encaminhamento encontra-se por lá. Dois aniversários. Quem sabe agora, reta
final de gestão, essa consulta seja marcada. Afinal, eleições e final de gestão
são “milagrosos”... Mas, voltemos ao nosso assunto.
Coincidentemente, após dois anos
as dores de cabeça voltaram. Durante uma semana, iam, vinham, como da outra
vez. Duas noites atrás, umas 23:00, as dores aumentaram a intensidade. Os
analgésicos comuns não estavan mais resolvendo. Relutante, pois não sabia se
havia médico na unidade de saúde, nos dirigimos com ele até lá. Chegamos, fomos
atendidos pelo auxiliar. Preenchimento de fichas, verificação de pressão,
perguntas de praxe (teve febre, vômito...). Após os procedimentos, disse:
Agora, aguardem aí, que eu vou chamar a médica. No meu íntimo, já comecei a
preparar psicologicamente. Deveria vir mais um médico sonolento, mal humorado
porque foi retirado do seu descanso.
Nessa hora, percebi que nem tudo está
perdido.
Fomos atendidos por uma jovem
médica, acredito que com a idade de vinte e poucos anos, expressão tranquila no
rosto. Com calma, perguntou do que se tratava. Examinou, fez várias perguntas.
Percebia-se que ela queria entender o caso. Respondeu a todas as nossas
dúvidas, com calma e paciência, de uma forma didática, explicando, ouvindo o
que falávamos. Prescreveu a medicação, que foi administrada pelo auxiliar.
Conversou mais um pouco. Perguntou se queríamos uma requisição para um exame,
apesar de dizer que não havia pressa para realiza-lo. Solícita, colocou-se a
disposição, caso voltássemos a precisar. Tranquilizou-nos, disse que estava
tudo bem, que não era caso para alarme. Depois disso, nos despedimos, e fomos
embora.
Ver o trabalho daquela jovem
médica, a forma de atender, a educação e a paciência, e principalmente a
simplicidade, sinceramente me devolveu um pouco de fé e de esperança num
serviço de saúde qualidade. Graças a Deus, poucas vezes em minha vida precisamos
de médico, ou de hospitais. Mas, não temos boas recordações da maioria dos
atendimentos que precisamos. Ser atendido bem num serviço de emergência, as
23:00, não é uma experiência que se diga agradável. Mas essa, levando-se em
conta as circunstancias, foi.
A prioridade de qualquer gestor
deveria ser, entre outras também importantes, a saúde. E isso começa com a
seleção de bons profissionais. Um bom profissional, que passa segurança no
atendimento, que é cordial no trato com o paciente, que explica, que ouve, que
tranquiliza, é um artigo raro. Profissionais desse nível mostram que sua
formação vai além da academia. Vai além dos livros. Vai além das teorias e
técnicas aprendidas na faculdade de medicina. Mostra que sua formação é
humanitária. Mostra que é possível um atendimento diferenciado, mesmo em
serviços de urgência. Profissionais desse tipo deveriam ser remunerados
regiamente. Profissionais desse nível deveriam ter todas as condições
necessárias ao desenvolvimento do seu trabalho colocadas a sua disposição. Isso,
infelizmente, não acontece no meu município, no meu São Bento do Trairi. Quando
os gestores entenderem que os serviços de saúde são prestados por pessoas, e
para pessoas, a saúde pública vai apresentar melhoras.
Queria agradecer a essa
profissional. Que continue dessa forma. Que os anos que virão na sua profissão
não retirem dela essa característica. Que a sua prática na medicina seja sempre
dessa forma. Fico grato doutora.
E com esperança no
futuro.
Josmari de
Sales Costa é Funcionário Público Graduado em Marketing pela UNP – Universidade
Potiguar
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